Como um criador que vive para "caçar" a imagem real, a ascensão do vídeo generativo não é apenas uma revolução técnica. É uma crise de identidade.
Eu passei os últimos anos dedicando minha vida a uma busca: a "vivência". Para mim, o audiovisual de viagem nunca foi sobre a foto bonita; foi sobre o que custou para consegui-la. É sobre acordar às 3 da manhã para pegar um nascer do sol que pode nem acontecer. É sobre o frio, o suor, a conversa com o estranho que me levou àquele local secreto. Meu trabalho é tentar engarrafar esse sentimento e compartilhá-lo.
Aí, semana passada, eu vi um vídeo gerado por IA. Uma tomada aérea perfeita de uma cidade que não existe, com uma luz que seria impossível de capturar, seguindo um pássaro que nunca nasceu. Tudo criado a partir de um prompt de texto. Meu primeiro sentimento foi admiração. Meu segundo foi um frio na espinha.
A pergunta que todos nós, criadores, estamos nos fazendo em silêncio é: Se a IA pode criar a imagem perfeita, qual é o valor de caçar a imagem real?
O Lado Brilhante: As Vantagens Inegáveis
Não sou um ludita. Não podemos ignorar que, como ferramenta, a IA generativa é espetacular. Em um mundo ideal, ela resolve nossos maiores problemas:
O "Take" Impossível: Sabe aquele drone shot que você não pôde fazer porque estava ventando demais ou era uma zona de exclusão aérea? A IA pode criá-lo.
Correção de Erros: Um turista passou no fundo da sua tomada perfeita? A IA o remove sem piscar. Você filmou em 1080p e o cliente pediu 4K? A IA faz o upscale com uma qualidade que, até ontem, era ficção científica.
Eficiência de Workflow: A IA já transcreve entrevistas, sugere cortes, faz color grading inicial e limpa áudio com uma precisão absurda. Isso nos devolve tempo.
A Desvantagem: Onde Fica a "Vivência"?
O problema não está na ferramenta, mas no que ela ameaça. Para um travel filmmaker como eu, o "processo" é o produto.
Quando você assiste a um vídeo da Visualnew, você não está vendo apenas um lugar. Você está confiando que eu estive lá. Você confia que o perrengue foi real, que o sol realmente se pôs daquele jeito e que aquela lágrima no rosto do entrevistado foi genuína.
A IA generativa não cria apenas vídeos; ela cria realidades sintéticas. E o meu trabalho é documentar a realidade, não fabricá-la.
O maior perigo é a erosão da confiança. Se o público começar a questionar tudo o que vê ("Isso foi real ou foi Sora?"), a magia quebrou. A conexão que eu passo anos construindo com quem me assiste morre no instante em que eles duvidam da minha experiência. Minha marca é a "vivência". Se eu usar IA para gerar uma vivência, eu me torno uma fraude.
O Campo Minado da Ética
Aqui é onde o debate fica complexo. Qual é o limite?
Se eu uso IA para remover um poste de luz (algo que já fazemos com o Photoshop há anos), estou sendo antiético? Provavelmente não. Estou limpando a cena.
Mas se eu uso IA para adicionar uma montanha, um céu mais dramático ou um animal exótico que não estava lá... eu cruzei a linha. Eu saí do "documental" e entrei na "ficção".
O problema ético não é a existência da ferramenta, mas a transparência no seu uso.
Vejo dois caminhos para o futuro:
O "Cinema de Viagem": Criadores que usarão IA abertamente para criar mundos fantásticos inspirados em viagens. Será um novo gênero de arte, e tudo bem, desde que seja rotulado como tal.
O "Documental de Viagem": Criadores que, como eu, usarão a autenticidade como seu maior diferencial. Nosso valor não estará na perfeição da imagem, mas na prova de esforço por trás dela.
Então, a IA vai matar o filmmaker de viagem?
Não. Ela vai matar o criador de conteúdo genérico.
Se o seu único diferencial é fazer b-rolls bonitos e timelapses perfeitos, sim, você está em apuros. A IA fará isso mais rápido, mais barato e melhor.
Mas ela não vai matar o storyteller.
A IA não sente frio. Ela não fica nervosa ao abordar um estranho para um retrato. Ela não tropeça em pedras no escuro, não perde um voo, não chora de emoção ao ver a aurora boreal.
A IA pode gerar a imagem, mas ela não tem a história. Ela não tem o porquê.
Meu trabalho está mudando. Não serei mais pago apenas pela minha habilidade técnica de operar uma câmera, mas pela minha curadoria de momentos, pela minha coragem de ir e pela minha capacidade de sentir algo e traduzir isso em vídeo.
O futuro do travel filmmaker não é sobre a imagem mais perfeita. É sobre a história mais verdadeira. A IA pode criar o take de drone, mas ela nunca terá pego o avião. E essa, para mim, é a diferença que importa.

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